“Na próxima década, pesquisadores começarão a investigar a atmosfera de planetas tão pequenos quanto a Terra e Vênus, orbitando estrelas próximas. Embora esses dois planetas do sistema solar sejam semelhantes em tamanho e densidade — levando alguns a chamá-los de “gêmeos” — suas atmosferas são completamente diferentes. Os cientistas conseguiriam distingui-los se vistos a anos-luz de distância?
Uma equipe liderada pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) simulou que Vênus estivesse em outro sistema planetário — como um exoplaneta — e perguntou que tipo de informação poderia ser extraída. Os resultados foram publicados em um artigo na revista Atmosphere e provam que técnicas usadas para estudar grandes exoplanetas quentes podem ser aplicadas de forma eficaz em planetas com diâmetro 10 vezes menor.
Isso também abre caminho para a identificação de marcadores capazes de diferenciar entre atmosferas amenas dominadas por nitrogênio, como a da Terra, e aquelas compostas principalmente de dióxido de carbono, como a atmosfera quente e violenta de Vênus.
“As técnicas atualmente usadas para estudar atmosferas de exoplanetas são eficazes para planetas gigantes próximos de suas estrelas, com atmosferas quentes. Contudo, é desafiador estudar a atmosfera de corpos tão pequenos quanto a Terra ou Vênus,” explica o autor principal Alexandre Branco, estudante de mestrado no IA e na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa).
“Os alvos mais promissores estão frequentemente expostos a regimes de radiação estelar muito semelhantes ao de Vênus, de modo que os ‘ExoVênus’ provavelmente serão os primeiros pequenos mundos a terem suas atmosferas caracterizadas. Nosso trabalho teve como objetivo olhar para Vênus como se estivéssemos observando um exoplaneta.”
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Uma rara oportunidade
Para observar Vênus como um exoplaneta, a equipe analisou um conjunto muito raro de dados coletados em 5 e 6 de junho de 2012, a última vez neste século em que Vênus cruzou o disco do Sol — de forma semelhante a como as atmosferas de exoplanetas são investigadas quando passam em frente à sua estrela hospedeira, do ponto de vista da Terra. Durante esse trânsito, as atmosferas deixam sinais na luz estelar que permitem aos astrofísicos identificar sua composição.
Isso se torna mais difícil quanto menor for o planeta, mas novos instrumentos astronômicos planejados para operação na década de 2030 poderão alcançar exoplanetas do tamanho da Terra e Vênus. Portanto, as técnicas já usadas com sucesso em grandes exoplanetas quentes precisam ser testadas e calibradas para esses casos mais desafiadores, onde os sinais relevantes provavelmente serão pequenos e escondidos no ruído.
Ao aplicar essas técnicas aos dados do trânsito de Vênus em frente ao Sol, os pesquisadores validaram seu uso futuro em instalações poderosas, como o Telescópio Extremamente Grande (ELT) do ESO e a missão espacial Ariel da Agência Espacial Europeia (ESA), projetos nos quais Portugal e o IA estão envolvidos. No entanto, para diferenciar mundos como a Terra daqueles como Vênus, mais estudos são necessários. Vistos de longe, Vênus poderia ser confundido com um planeta como o nosso.
Com décadas de outros estudos sobre Vênus, os pesquisadores puderam validar suas conclusões. Além disso, mostraram que as atmosferas de corpos do sistema solar também podem ser investigadas usando essas mesmas técnicas, para detectar espécies químicas de concentrações muito baixas, difíceis de identificar por outros meios.
Será que o primeiro ‘planeta Terra’ distante será outro Vênus infernal?
Devido à sua concentração de dióxido de carbono, a atmosfera de Vênus está sujeita a um efeito estufa extremo, que derrete chumbo na superfície do planeta, com pressões semelhantes às encontradas em cilindros de mergulho. Na verdade, é provável que uma atmosfera semelhante à de Vênus seja a primeira a ser caracterizada como a de um exoplaneta do tamanho da Terra.
“As altas temperaturas intrínsecas a planetas rochosos com atmosferas ricas em dióxido de carbono, e portanto sujeitas a um intenso efeito estufa, levam a um ambiente quimicamente ativo, com muitas transições químicas. Isso torna esse tipo de atmosfera mais fácil de detectar,” diz Pedro Machado, do IA e Ciências ULisboa, e segundo autor do estudo.
O coautor Olivier Demangeon, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), acrescenta: “A atmosfera de Vênus é cerca de 90 vezes mais densa que a da Terra e também significativamente mais quente. Apesar de mais densa, ela é maior. Maior e mais densa implicam uma assinatura forte em nossas observações. Detectamos algumas assinaturas fracas de dióxido de carbono nos dados de Vênus que não são esperadas em atmosferas semelhantes à da Terra. No entanto, ainda não é a maneira mais eficiente de diferenciá-las.”
Resultados positivos também para outros mundos do sistema solar
Em 2012, Pedro Machado e sua equipe participaram de observações coordenadas de Vênus para a campanha internacional durante o trânsito do planeta pelo disco solar em junho. Eles também analisaram dados espectroscópicos coletados no Dunn Solar Telescope (National Solar Observatory, Novo México, EUA) usando o Facility Infrared Spectropolarimeter (FIRS). Os dados se referem à luz solar refratada pela alta atmosfera de Vênus durante os momentos em que o contorno do planeta tocou e, no final, deixou o disco solar.
“Adaptamos a um corpo do sistema solar as técnicas sofisticadas usadas para estudar as atmosferas de mundos incrivelmente distantes,” diz Pedro Machado, “e provamos que elas também podem ser usadas para detectar componentes químicos menores nas atmosferas do nosso sistema solar. Estamos preparando observações que se beneficiarão dessa técnica para investigar as atmosferas de Júpiter e Saturno quando uma estrela brilhante passar atrás deles, vista de nossos telescópios na Terra. Missões orbitais em torno de Vênus ou Marte também já observaram o Sol através de suas atmosferas.”
“Detectamos até assinaturas claras dos isótopos de carbono e oxigênio nas moléculas de dióxido de carbono e monóxido de carbono,” acrescenta Machado. A quantidade de certos isótopos muda ao longo do tempo e é usada para avaliar as condições atmosféricas de temperatura e pressão do passado, bem como suas escalas de tempo.
“Estimar as quantidades relativas de isótopos nos permite tirar conclusões sobre a história de como Vênus evoluiu,” diz Alexandre Branco.
Machado conclui: “Este trabalho contribui de forma clara para isso, e este também é um dos objetivos da próxima missão da Agência Espacial Europeia a Vênus, EnVision, na qual Portugal e o IA colaboram: estudar a evolução passada de Vênus.”
O espectrógrafo ANDES, para o ELT do ESO, e a missão espacial Ariel da ESA, ambos com contribuições do IA na ciência e na tecnologia, são duas instalações que irão impulsionar a pesquisa sobre outros mundos e se beneficiarão de estudos alinhados ao trabalho desta equipe.
Ariel permitirá o estudo da atmosfera de cerca de 1.000 exoplanetas já conhecidos e, para isso, usará as mesmas técnicas de observação e análise aplicadas por esta equipe neste trabalho. Pedro Machado é membro do conselho do consórcio Ariel e coordenador do grupo de trabalho que conecta o estudo de atmosferas de exoplanetas ao do sistema solar.”
Divulgado pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço